Não sou Budista, isso é apenas um pano que comprei pra me aquecer no inverno. |
Hoje resolvi
radicalizar. E de uma forma que nunca fiz em minha vida. Rapei a cabeça. A
primeira vez que estive aqui na India fui a um salão e pedi para que meu cabelo
fosse cortado. O cara me perguntou se era “Full” ou “Half”. Estas palavras
significam Completo e Metade, respectivamente.
Imaginei minha cabeça como daqueles índios, rapada uma metade, ou um
certo tipo de “punk”, sei la, respondi na lata: full. Só que, para o
cabeleireiro, "full" era fazer cabelo, barba, bigode, massagem e algo mais. Eu,
inocente, recebi inicialmente, a tesoura, que cortava meus parcos cabelos de
forma suave e continua. Quando a primeira fase passou, veio a segunda, que era
lavá-los com uma certa espuma que quase tomou minha cabeça toda. E depois de
secar e tirar tudo isso, mais alguns detalhes no corte e então começou uma
massagem no cocoruto. Enquanto estava somente na cabeça, tudo bem, mas quando
desceu para as costas, passou para os ombros, desceu pelos braços e chegou às mãos, ai, a coisa ficou séria.
“Este cara vai se
apaixonar” – pensei. A massagem foi pesada. O indiano era bom no negócio. Queria
fazer o melhor. A mim, aquela massagem não me trouxe alivio de nada, pois não estava precisando dela, mas foi bom para eu ter uma experiência transcultural
nessa terra necessitada.
Mas hoje, 3 anos
depois, estou no mesmo lugar, Bodh Gaya. Na mesma casa em que estive, rua
Pachati, mas o barbeiro que tinha sua lojinha em frente ao templo Mahabody
se foi. Por aqui, tudo mudou. Bombas foram explodidas por terroristas nas
imediacões do templo e a policia cercou o local, mandou todos os comerciantes
saírem, derrubou todas as lojas e construiu muros e cercas, reforçando a
segurança do local.
Rivalver e Bruno, missionários na Índia. |
Ontem a noite falei para Lucas, meu filho e o Bruno, missionário que mora
na casa onde ficamos da ultima vez: “Amanha vou sair e rapar minha cabeça”. E
foi o que fiz. Acordei 9 hrs, tomei café e desci, determinado. Dei apenas
alguns passos descendo a rua e vi a barbearia aberta. Apos me sentar na
poltrona ultra-mega-confortável de madeira bruta, um lençol azul foi colocado
ao redor de meu pescoço. Olhei para mim mesmo. Pálpebras já cansadas, pele
começando a se enrugar, algumas manchas insistentes em me amar ate a morte,
barba crescendo de novo, grisalha... éééé, o tempo passa voando, pensei. O
indiano, magro, franzino, lotado de cabelo na cabeça, preparava a navalha.
Apos molhar meus ainda parcos cabelos, veio uma pequena sessão de massagem. Me
lembrei do passado, da tortura anterior. Sei que não vai acontecer de novo,
aqui é apenas rapar. O trabalho dele começou pela parte de trás da cabeça, e eu não
via como ficava. Então veio a parte da frente, e ai, eu vi a luz...
Cegos esmolando nas ruas de Bodh Gaya. |
Tive que dobrar meu
pescoço para o trabalho da navalha. No meu colo os cabelos caiam aos cachos.
Pelo espelho, vi o caminho feito pelo lado direito da cabeça. Não há como
voltar. É esperar acabar. E com o pescoço dobrado, me lembrei de como Jesus se
dobrou para os flagelos dos romanos. Me
lembrei das chicotadas, dos acoites, da coroa, do cuspe, da cruz... que
comparação mais tosca Rivalver, nem se compara, me repreendi. Claro, nem se
compara. Eu estava renunciando a alguns fios de cabelos, Ele renunciou tudo o
que tinha. Mas eu estava ali por causa Dele, e dobrar o pescoço para perder
alguma coisa, mínima que seja, me humilhou, e meus olhos se encheram de água,
não por minha causa, mas por causa Dele, Jesus, que se dobrou por mim, se
humilhou por mim, morreu por mim, ressuscitou por mim, voltará por mim. Alguém
poderia falar agora: "que bobeira". Pode ser. Mas para mim teve muito significado.
Jovens budistas observando um rapaz pintando uma estátua de Bhuda no Monastério Tergar, em Bodh Gaya. |
Bj no coração de todos.
Rivalver Lopes
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