sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Cortando cabêlos

Não sou Budista, isso é apenas
um pano que comprei pra
me aquecer no inverno.
Hoje resolvi radicalizar. E de uma forma que nunca fiz em minha vida. Rapei a cabeça. A primeira vez que estive aqui na India fui a um salão e pedi para que meu cabelo fosse cortado. O cara me perguntou se era “Full” ou “Half”. Estas palavras significam Completo e Metade, respectivamente.  Imaginei minha cabeça como daqueles índios, rapada uma metade, ou um certo tipo de “punk”, sei la, respondi na lata: full. Só que, para o cabeleireiro, "full" era fazer cabelo, barba, bigode, massagem e algo mais. Eu, inocente, recebi inicialmente, a tesoura, que cortava meus parcos cabelos de forma suave e continua. Quando a primeira fase passou, veio a segunda, que era lavá-los com uma certa espuma que quase tomou minha cabeça toda. E depois de secar e tirar tudo isso, mais alguns detalhes no corte e então começou uma massagem no cocoruto. Enquanto estava somente na cabeça, tudo bem, mas quando desceu para as costas, passou para os ombros, desceu pelos braços e chegou  às mãos, ai, a coisa ficou séria.
“Este cara vai se apaixonar” – pensei. A massagem foi pesada. O indiano era bom no negócio. Queria fazer o melhor. A mim, aquela massagem não me trouxe alivio de nada, pois não estava precisando dela, mas foi bom para eu ter uma experiência transcultural nessa terra necessitada.
Mas hoje, 3 anos depois, estou no mesmo lugar, Bodh Gaya. Na mesma casa em que estive, rua Pachati, mas o barbeiro que tinha sua lojinha em frente ao templo Mahabody se foi. Por aqui, tudo mudou. Bombas foram explodidas por terroristas nas imediacões do templo e a policia cercou o local, mandou todos os comerciantes saírem, derrubou todas as lojas e construiu muros e cercas, reforçando a segurança do local. 
Rivalver e Bruno, missionários na Índia.

Ontem a noite falei para Lucas,  meu filho e o Bruno, missionário que mora na casa onde ficamos da ultima vez: “Amanha vou sair e rapar minha cabeça”. E foi o que fiz. Acordei 9 hrs, tomei café e desci, determinado. Dei apenas alguns passos descendo a rua e vi a barbearia aberta. Apos me sentar na poltrona ultra-mega-confortável de madeira bruta, um lençol azul foi colocado ao redor de meu pescoço. Olhei para mim mesmo. Pálpebras já cansadas, pele começando a se enrugar, algumas manchas insistentes em me amar ate a morte, barba crescendo de novo, grisalha... éééé, o tempo passa voando, pensei. O indiano, magro, franzino, lotado de cabelo na cabeça, preparava a navalha. Apos molhar meus ainda parcos cabelos, veio uma pequena sessão de massagem. Me lembrei do passado, da tortura anterior. Sei que não vai acontecer de novo, aqui é apenas rapar. O trabalho dele começou pela parte de trás da cabeça, e eu não via como ficava. Então veio a parte da frente, e ai, eu vi a luz...
Cegos esmolando nas ruas de Bodh Gaya.


Tive que dobrar meu pescoço para o trabalho da navalha. No meu colo os cabelos caiam aos cachos. Pelo espelho, vi o caminho feito pelo lado direito da cabeça. Não há como voltar. É esperar acabar. E com o pescoço dobrado, me lembrei de como Jesus se dobrou  para os flagelos dos romanos. Me lembrei das chicotadas, dos acoites, da coroa, do cuspe, da cruz... que comparação mais tosca Rivalver, nem se compara, me repreendi. Claro, nem se compara. Eu estava renunciando a alguns fios de cabelos, Ele renunciou tudo o que tinha. Mas eu estava ali por causa Dele, e dobrar o pescoço para perder alguma coisa, mínima que seja, me humilhou, e meus olhos se encheram de água, não por minha causa, mas por causa Dele, Jesus, que se dobrou por mim, se humilhou por mim, morreu por mim, ressuscitou por mim, voltará por mim. Alguém poderia falar agora: "que bobeira". Pode ser. Mas para mim teve muito significado.
E esta parte de “eu vi a luz” é apenas meu lado humorístico se manifestando, não o leve a serio. 
Jovens budistas observando um rapaz
pintando uma estátua de Bhuda
no Monastério Tergar, em Bodh Gaya.

Bj no coração de todos.

Rivalver Lopes

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